
Porque o Futuro da Entrega Pode Ser Mais Sobre Pessoas do que Pacotes
Durante muito tempo, logística foi sobre vencer distâncias: mover mercadorias do ponto A ao ponto B com o menor custo possível. Mas algo mudou — e não foi só o e-commerce. Mudou a forma como as pessoas vivem, consomem e se relacionam com o tempo. Agora, a entrega não é mais uma transação. É uma relação.
Por isso, o futuro da logística talvez não esteja nos drones mais rápidos ou nos robôs mais eficientes. Talvez ele esteja nas pessoas.
De volume a vínculo: a entrega deixou de ser apenas operacional
A jornada de compra deixou de terminar no “pedido confirmado”. Para o consumidor de hoje, a entrega é parte integrante da experiência de compra — e, portanto, da percepção da marca. Esse entendimento vem crescendo entre empresas que investem em atendimento pós-venda, canais humanizados, flexibilidade e autonomia.
Segundo pesquisa da Zendesk, 81% dos consumidores afirmam que uma experiência positiva de entrega influencia sua decisão de voltar a comprar de uma marca[^1]. Isso é logística virando relacionamento.
A evolução silenciosa do ponto de retirada
Em meio ao crescimento do e-commerce e da omnicanalidade, os chamados “pontos de retirada” vêm ganhando novas camadas de significado. Antes vistos como meros locais funcionais, estão se transformando em portas de entrada para experiências híbridas e mais humanas.
📦 Exemplo: Amazon Counter
Nos EUA e Europa, a Amazon firmou parcerias com pequenos comércios locais para oferecer retiradas presenciais. Além de ampliar a malha logística, esses pontos impulsionam o fluxo de clientes para o varejo físico — criando valor compartilhado com a comunidade.
🛍️ Exemplo: InPost (Polônia)
A InPost ampliou sua rede de lockers com uma camada social. Em alguns pontos, os lockers foram instalados com espaços de convivência e bancadas de coleta seletiva, unindo logística, cidadania e urbanismo.
Esses exemplos mostram como o ponto de retirada não precisa ser frio, automatizado e impessoal. Ele pode ser um ponto de contato com propósito.
Smart lockers: mais que conveniência, oportunidade de relação
Os smart lockers têm se consolidado como solução eficiente, escalável e segura. Mas em vez de se limitarem a caixas metálicas, podem ser plataformas de experiência.
Imagine lockers com:
- Comunicação personalizada da marca
- Design que integra arte urbana ou identidade local
- Tela com vídeos educativos ou promocionais
- Áudio com voz institucional dando boas-vindas
Mais do que entregar pacotes, o locker se torna um ponto de presença da marca na cidade, permitindo um tipo novo de vínculo: discreto, mas memorável.
A tecnologia que aproxima (e não isola)
Ironia do século XXI: quanto mais tecnológica a entrega, mais humana ela precisa parecer.
Empresas como a Casas Bahia e o Carrefour Brasil têm investido em soluções que misturam automação com acolhimento, como retirada por QR code com atendimento disponível por WhatsApp, ou lockers instalados em comunidades com suporte de promotores locais.
O segredo? Tecnologia que empodera o consumidor, mas sem excluir o toque humano. Isso vale ainda mais em um país como o Brasil, onde a diversidade socioeconômica exige múltiplos formatos de entrega e relacionamento.
Logística como extensão da marca
Marcas que lideram esse movimento entendem que a entrega pode reforçar seus valores, propósito e posicionamento.
- Uma marca sustentável deve oferecer entregas com logística reversa facilitada.
- Uma marca inclusiva deve pensar em pontos de retirada acessíveis.
- Uma marca premium deve garantir que o cliente se sinta atendido com exclusividade — mesmo ao abrir um locker.
Ou seja: a entrega comunica. E quem ignora isso está perdendo um canal poderoso de diferenciação.
Tendência global: logística com sotaque local
Empresas de entrega pelo mundo vêm explorando modelos localizados, que valorizam parcerias, comunidades e hábitos de consumo específicos de cada região.
Estudo da Deloitte aponta que até 2027, 67% dos consumidores preferirão soluções de entrega que tenham impacto positivo na comunidade local[^2]. Isso abre espaço para iniciativas como lockers em mercados de bairro, entrega via ciclistas autônomos ou parcerias com cooperativas regionais.
A entrega deixa de ser só logística. Vira ecossistema.
E o entregador no meio disso tudo?
Não dá pra falar de humanização sem falar de quem carrega a entrega nas costas — literalmente.
É cada vez mais urgente pensar em modelos logísticos que valorizem o entregador, com rotas mais inteligentes, pontos de descanso, remuneração justa e autonomia. Já vemos startups investindo nisso, como a Urbify (França), que atua com entregadores fixos por bairro, promovendo vínculo e reconhecimento dos moradores.
No Brasil, iniciativas locais como o Entregadores Antifascistas e cooperativas de entregadores mostram o desejo crescente de participação ativa, digna e estratégica desses profissionais.
De pacote para pessoa, da transação para a conexão
A logística do futuro ainda precisa ser rápida, eficiente e escalável. Mas mais do que isso: ela precisa ser sensível.
Sensível ao contexto de cada bairro. Ao tempo de cada pessoa. À identidade de cada marca. Ao ritmo de cada cidade.
Porque a entrega pode até ser feita por robôs. Mas a relação, essa é sempre construída por pessoas.
Fontes: [^1]: Zendesk CX Trends Report, 2024 [^2]: Deloitte Future of Delivery Report, 2023