
Logística Invisível: Como a Última Milha Começa Antes da Primeira
Quando pensamos em “última milha”, a imagem que costuma vir à mente é de um entregador finalizando o trajeto, enfrentando o trânsito da cidade ou procurando um apartamento escondido no sexto andar sem elevador. Mas e se disséssemos que essa “última milha” já foi decidida muito antes dele ligar o motor?
A verdade é que a última milha começa bem antes da embalagem ser lacrada ou do pedido ser confirmado no e-commerce. Ela nasce nas decisões silenciosas que operam nos bastidores da cadeia logística — e é aí que mora a grande virada de chave para eficiência, economia e sustentabilidade.
A obsessão pela última milha (e por que ela está incompleta)
Com a ascensão do e-commerce, a “last mile” virou uma obsessão corporativa. Segundo estudo da Capgemini Research Institute, o custo da última milha representa até 41% do custo total da logística de entrega[^1]. Não à toa, ela virou alvo principal de inovações: drones, robôs, bicicletas elétricas, lockers, hubs urbanos — a lista só cresce.
Mas esse foco exclusivo no ponto final cria uma miopia estratégica. Se negligenciamos as etapas anteriores — como planejamento de estoque, roteirização inteligente e posicionamento de hubs — a última milha vira apenas o elo final de uma cadeia mal otimizada.
A mágica (invisível) da primeira decisão
Toda entrega começa com uma decisão: onde estocar, como transportar, de que ponto despachar. A Amazon sabe bem disso — seus centros de distribuição (CDs) são posicionados não apenas por volume de pedidos, mas com base em inteligência preditiva que analisa padrões de demanda regional.
Esse conceito ganhou nome: “Inventory Forward Positioning”, ou posicionamento estratégico de inventário. Ele antecipa o que será comprado e já distribui o estoque mais próximo do consumidor final. Resultado? Menos deslocamento, menos poluição, menos atraso.
Case: O Mercado Livre, gigante na América Latina, adotou essa abordagem no Brasil. Com centros logísticos espalhados em localidades estratégicas, a empresa conseguiu reduzir drasticamente o tempo médio de entrega para 1 dia em algumas regiões metropolitanas.
A reinvenção do ponto de chegada: entre mobilidade, conveniência e dados
Os smart lockers — armários inteligentes onde consumidores retiram seus pedidos — têm ganhado protagonismo por facilitar a última milha. Mas seu real poder começa quando são incluídos desde o começo do planejamento logístico.
Imagine isso: um algoritmo identifica que 20 pedidos em uma determinada região têm como destino final um ponto próximo a um smart locker. Ao invés de 20 entregas separadas, o sistema consolida tudo em uma única rota até o locker, gerando economia operacional e reduzindo as emissões de carbono. O cliente retira quando quiser, com total autonomia.
Tendência: Cidades como Londres, Paris e Tóquio já começam a ver os lockers como parte de uma infraestrutura urbana de mobilidade sustentável, integrados a estações de metrô e pontos de bike sharing.
Logística “invisível” + dados = ouro
Tudo isso só é possível graças ao uso avançado de dados. Hoje, a logística preditiva usa machine learning, geolocalização e comportamento de compra para antecipar necessidades.
Segundo a consultoria McKinsey, empresas que investem em supply chain digitalizado têm 20% mais eficiência nas entregas e até 50% de redução em falhas operacionais[^3]. Estamos falando de decisões que são invisíveis aos olhos do consumidor, mas que moldam radicalmente sua experiência.
O que isso muda para marcas e consumidores
Para as empresas, a última milha precisa deixar de ser vista como uma etapa isolada e passar a ser compreendida como o resultado de todas as decisões anteriores. Isso impacta desde o design da embalagem até a escolha do CEP de origem.
Para o consumidor, a entrega passa a ser cada vez mais previsível, flexível e conveniente — sem que ele precise entender todo o processo por trás. Afinal, quando a logística é bem feita, ela desaparece. E isso é um elogio.
Menos glamour, mais estratégia
A última milha pode continuar sendo o “rosto” visível da logística, mas é hora de olharmos com carinho para o que acontece antes dela. Planejar bem a “primeira milha” — e todas as seguintes — é a única forma de garantir que a última seja bem-sucedida.
A eficiência logística do futuro será invisível, integrada e, paradoxalmente, mais humana — porque entrega valor antes mesmo da entrega acontecer.
Fontes: Capgemini Research Institute. “The Last-Mile Delivery Challenge.” 2021. [^2]: Mercado Livre. Relatório de Sustentabilidade 2023. [^3]: McKinsey & Company. “The future of supply chain: Technology and data in logistics.” 2022.